Crime da 113 Sul:
Carta Aberta de Adriana Villela:
Por mais de quinze longos anos, o silêncio tem sido a minha fortaleza e, ao mesmo tempo, o meu mais pesado fardo. Mas há um limite para o peso que uma alma pode carregar calada, despedaçada por dentro. Hoje decido romper esse silêncio, pois pesa sobre mim uma acusação hedionda por um crime que jamais cometi. E a dor é imensa porque sou apontada como a algoz daqueles que mais amei na vida, meu sangue, minha essência: meus próprios pais e a querida Francisca. O amor por eles é uma chama que jamais se apagará em mim.
Eu sei, com muita tristeza, que não sou a primeira e, infelizmente, não serei a última a ser esmagada por uma injustiça profunda e devastadora. As páginas da história estão banhadas em lágrimas de vidas inteiras destroçadas pela pressa investigativa, pela espetacularização da notícia ou pela falha judicial. Minha alma chora por cada um que padece inocente, e por aqueles que, cegos pela pressa ou pelo preconceito, contribuem para tanta dor.
Contudo, ainda que as sombras da injustiça insistam em me envolver há mais de quinze anos, a fé teimosa e inabalável na justiça — aquela justiça que meu pai tanto prezava e ensinava — permanece aqui. Ele dedicou sua vida a essa crença e nos incutiu, desde cedo, a importância inegociável da verdade e da justiça. Minha maior angústia, o tormento que rouba meu sono, é imaginar que, de onde quer que estejam, meus pais, que tanto amo e que tanto me amaram, testemunhem o impensável: a própria filha, vilipendiada, condenada pela sua trágica partida. Que estejam em paz onde estiverem; tenho certeza de que, apesar de toda a dor, torcem por esta filha que os ama profundamente e que se recusa a desistir.
Como em qualquer família, nossos laços eram feitos de entendimentos e, por vezes, de desentendimentos. Nada além da naturalidade da convivência humana, de uma vida real e bem vivida. E foi chocante, revoltante, constatar que o principal fato utilizado pela acusação para insinuar uma suposta relação de inimizade entre mim e minha mãe tenha sido uma carta datada de três anos antes dos assassinatos. Uma missiva isolada, arrancada brutalmente de seu contexto, para pintar um cenário geral de discórdia que simplesmente nunca existiu.
Enquanto isso, dezenas de e-mails repletos de carinho, de afeto mútuo, trocados antes e depois da referida data – e que estavam nas mãos da Corvida desde a apreensão do meu computador em 2010 –, foram convenientemente ignorados, deliberadamente varridos para debaixo do tapete. Este modus operandi — o de pinçar evidências que sustentam uma hipótese pré-determinada, em detrimento de tantas outras que indicam o contrário — revela uma grave falha na busca isenta pela verdade, pilar fundamental da justiça. Um caminho que, infelizmente, obscurece a luz sobre o que realmente aconteceu.
Desde 2009, em depoimentos prestados tanto na 1ª Delegacia de Polícia como na Corvida, eu já insistia na investigação de Leonardo Alves, ex-porteiro do prédio e identificado depois, por uma terceira delegacia, como o verdadeiro autor dos assassinatos. Por que eu, suposta mandante do crime, levantaria suspeitas contra um possível comparsa, se isso inevitavelmente me incriminaria? E por que a polícia não o investigou na época como eu sugeri? E por que não se deram ao trabalho de confirmar seu álibi, se sabiam que ele poderia ter motivação clara para roubar e matar meus pais? A ausência de respostas para essas perguntas simples é, por si só, um grito pela verdade.
A tragédia que se convencionou chamar "O Crime da 113 Sul" não se limitou às vítimas do ocorrido; ela se estendeu, cruelmente, a muitos outros inocentes. Corpos e mentes foram violentados pela tortura física e psicológica. Pistas cruciais, que teriam levado à verdadeira resolução, foram convenientemente desprezadas, ativamente silenciadas por autoridades que deveriam proteger a verdade; evidências foram suprimidas por má-fé e, pior, provas foram fabricadas para sustentar uma versão artificialmente criada. Pessoas foram jogadas no cárcere sem a menor base probatória, e o sigilo da investigação, que deveria proteger a integridade de todos, foi seletivamente rasgado para me expor a uma sistemática campanha de difamação pública. Tenho sido terrivelmente injustiçada, mas ainda respiro.
Minhas preces diárias são para que a verdade resplandeça, enfim, e a justiça seja feita. Não me curvarei, não me calarei e não desistirei. Pois esta luta não é apenas por mim, mas pela própria integridade da justiça e para que nenhum inocente passe pelo que tenho passado. Eles podem tentar roubar minha paz, minha dignidade, minha história, mas jamais conseguirão destruir a minha alma, a minha essência. Meus pais, com sua dignidade e amor, certamente esperam que eu enfrente esse desafio com coragem. Eu seguirei de cabeça erguida, por eles e por todos.
Adriana Villela